O custo humano de um iPad


Em sete meses, duas explosões mataram quatro pessoas e feriram 77 nas fábricas de iPad na China; para atender demanda, funcionários trabalham sete dias por semana


A explosão abalou o edifício A5 na noite de uma sexta-feira de maio passado, trazendo consigo fogo e o ruído de tubos de metal retorcidos e atirados ao ar como se fossem palha.
Quando os trabalhadores correram para fora do refeitório, eles viram uma fumaça preta saindo das janelas quebradas. Ela saia da área onde milhares de funcionários diariamente poliam milhares de capas para iPad.
Duas pessoas morreram imediatamente e dezenas ficaram feridos. À medida que os feridos eram levados em ambulâncias, um deles se destacou. Suas feições haviam sido manchadas pela explosão, pelo calor e pela violência da explosão de tal maneira que seu nariz e boca foram substituídos por uma massa vermelha e preta.
"Você é o pai de Lai Xiaodong?" perguntou a pessoa que ligou para a casa onde Lai passou sua infância. Seis meses antes, o jovem de 22 anos de idade havia se mudado para Chengdu, no sudoeste da China, para se tornar uma das milhões de peças da engrenagem humana que alimenta o sistema de produção mais rápido e mais sofisticado do planeta.
"Ele está em apuros", a pessoa informou o pai de Lai. "Por favor, venha para o hospital o mais rápido possível."
Na última década, a Apple se tornou uma das mais maiores, mais poderosas e mais bem-sucedidas empresas do mundo, em parte por dominar a arte da fabricação global. A Apple e outras empresas de alta tecnologia - assim como de dezenas de outras indústrias americanas - alcançaram um ritmo de inovação quase sem precedentes na história moderna.
No entanto, os trabalhadores que montam iPhones, iPads e outros dispositivos muitas vezes trabalham em condições adversas, segundo funcionários das fábricas, defensores dos trabalhadores e documentos publicados pelas próprias empresas. Os problemas são tão variados quanto os ambientes de trabalho são onerosos e chegam a ser graves problemas de segurança - por vezes mortais.
Os funcionários trabalham horas extras excessivas, em algumas casos sete dias por semana, e vivem em dormitórios lotados. Alguns dizem que ficam tanto tempo nas fábricas que suas pernas incham até que mal conseguem caminhar. Trabalhadores menores de idade ajudam a construir produtos da Apple e fornecedores da empresa eliminam resíduos perigosos de modo abusivo e falsificam registros, segundo documentos da empresa e grupos de defesa que, dentro de China, são muitas vezes considerados confiáveis monitores independentes.
Mas mais preocupante, segundo esses grupos, é o desrespeito à saúde dos trabalhadores. Há dois anos, 137 trabalhadores de uma fornecedora da Apple no leste da China ficaram feridos depois eles foram obrigados a usar um produto químico venenoso para limpar as telas de iPhones. Em menos de sete meses duas explosões mataram 4 pessoas e feriram 77 em fábricas de iPad no ano passado, incluindo aquela que abalou Chengdu. Antes destas explosões, a Apple havia sido alertada para as condições perigosas no interior da fábrica de Chengdu, segundo um grupo chinês que publicou essa advertência.
"Se a Apple foi avisada e não agiu isso é repreensível", disse Nicholas Ashford, ex-presidente do Comitê Consultivo Nacional sobre Saúde e Segurança Ocupacional, um grupo que orienta o Departamento do Trabalho dos Estados Unidos. "Mas o que é moralmente repugnante em um país é uma prática aceita em outro e as empresas tiram proveito disso."
A Apple não é a única empresa de negócios eletrônicos que faz negócios dentro de um sistema de abastecimento preocupante. Condições de trabalho alarmantes já foram documentados em fábricas fornecedoras de produtos de empresas como Dell, Hewlett-Packard, IBM, Lenovo, Motorola, Nokia, Sony, Toshiba e outros.
Além disso, executivos da Apple afirmam que a empresa fez significativos progressos na melhoria de suas fábricas nos últimos anos. A Apple implementou um código de conduta para os seus fornecedores que questões trabalhistas e de segurança, por exemplo. A empresa realizou uma campanha vigorosa de auditoria e sempre que um abuso é descoberto, segundo a Apple, correções são exigidas.
Mas os problemas permanecem significativos. Mais da metade dos fornecedores da Apple que foram auditados violaram pelo menos um aspecto do código de conduta todos os anos desde 2007, segundo informações da empresa.
"A Apple nunca se preocupou com nada além de aumentar a qualidade de seus produtos enquanto diminui os custos de sua fabricação", disse Li Minggi, que trabalhou até abril na gestão da Foxconn Technology, um dos mais importantes parceiros de fabricação da Apple. Li, que está processando a Foxconn por sua demissão, ajudou a gerenciar a fábrica de Chengdu onde ocorreu a explosão.
A Apple recebeu extensos resumos do presente artigo, mas se recusou a comentar a questão. Esta reportagem tem como base entrevistas realizadas com dezenas de funcionários e ex-funcionários da empresa, incluindo alguns com conhecimento em primeira mão do grupo de responsabilidade pelos fornecedores da Apple, bem como outros dentro da indústria de tecnologia.
O caminho para Chengdu
Lai Xiaodongs sabia que a fábrica da Foxconn em Chengdu era especial. Nela, os trabalhadores fabricavam as mais recentes criações da Apple - possivelmente seu último lançamento: o iPad.
Quando Lai conseguiu um trabalho de reparação de máquinas na fábrica, uma das primeiras coisas que ele percebeu foram as luzes ofuscantes usadas no local. Os turnos rodavam 24 horas por dia e as luzes nunca eram desligadas. Em qualquer momento, havia milhares de trabalhadores nas linhas de montagem, em pé ou sentados em cadeiras sem encosto, agachados ao lado de máquinas de grande porte, ou correndo entre grandes seções de montagem. As pernas de alguns dos trabalhadores inchavam tanto que eles mancavam. "É difícil ficar em pé o dia todo", disse Zhao Sheng, um trabalhador da fábrica.
Pôsteres nas paredes advertiam o 120,000 empregados: "Trabalhe duro no trabalho hoje ou trabalhe duro para encontrar um trabalho amanhã." O código de conduta da Apple dita que, exceto em circunstâncias incomuns, os funcionários não devem trabalhar mais de 60 horas por semana. Mas na Foxconn, alguns trabalhavam mais, de acordo com entrevistas, holerites e pesquisas realizadas por grupos independentes. Lai logo passou a trabalhar 12 horas por dia, seis dias por semana na fábrica, segundo seus holerites. Funcionários que chegavam atrasados muitas vezes eram obrigados a escrever cartas de confissão e copiar citações. Havia "turnos contínuos", quando os trabalhadores eram orientados a permanecer dois turnos seguidos no trabalho, segundo entrevista.
O diploma de Lai lhe permitiu ganhar um salário de cerca de US$ 22 por dia, incluindo horas extra - mais do que muitos outros. Quando seu dia acabava, ele seguia para um quarto grande o suficiente apenas para um guarda-roupa, um colchão e uma mesa.


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